O presente texto tem por objetivo apresentar um pouco mais ao nosso público leitor sobre a disciplina de Orientação e Estágio Curricular Supervisionado do curso de História da UFTM. É válido salientar que no segundo semestre de 2020 e primeiro semestre de 2021, os alunos realizaram o estágio de forma remota nas escolas da cidade de Uberaba/MG devido ao contexto pandêmico.
A ênfase das disciplinas de Orientação e Estágio Curricular Supervisionado do curso de História está na observação e intervenção teórico-prática na realidade dos professores de História da Educação Básica, privilegiando as redes públicas. No que se refere às disciplinas de Estágio no curso de História da UFTM, configuram-se num total de 4 estágios, os quais são ofertados nos quatro últimos períodos do curso. As disciplinas de estágio estão assim distribuídas na matriz curricular: Estágio I: 5° período, Estágio II: 6° período; Estágio III: 7° período; Estágio IV: 8° período. Cada estágio procurou abordar categorias temáticas específicas, aos quais foram trabalhadas tanto a partir dos textos discutidos nas aulas de estágio, quanto no momento de estágio.
Os 4 estágios foram divididos por unidades temáticas, a fim de que cada estágio ficasse com temas específicos. A divisão ficou assim distribuída:
Estágio 1: Projeto Político Pedagógico; Currículo; Livro Didático;
Estágio 2: Planejamento Pedagógico; Avaliações; Conceitos Históricos;
Estágio 3: Interdisciplinaridade; Temas Transversais; Diversidade;
Estágio 4: História Regional e Local; Metodologias de Ensino-Aprendizagem; Fontes Históricas em Sala de Aula.
Cada uma dessas temáticas foi discutida em seus aspectos teóricos nas respectivas disciplinas, visando orientar e discutir coletivamente as intervenções planejadas pelos e pelas discentes nas escolas que receberão as práticas de estágio.
A partir das determinações e orientações estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação e pelo Ministério da Educação, as atividades de estágio, mediadas pelo Laboratório de Ensino de História e Estágio Supervisionado (LEHES), contemplaram algumas atividades, dentre as quais encontra-se a atividade da entrevista.
A entrevista se constituiu de um elemento muito importante, porque foi o meio pelo qual os alunos puderam ter um contato mais direto com o(a) docente de História do Ensino Básico e relacionar com as reflexões discutidas na disciplina.
O processo da entrevista foi dividido em duas etapas maiores. Na primeira, cada aluno estagiário elaborou as perguntas a partir das temáticas da disciplina de Estágio Curricular Supervisionado, sendo ainda o texto estruturado em blocos para uma melhor divisão dos temas discutidos. O próximo passo foi a execução da entrevista, a qual foi feita por escrito, para facilitar o processo de transcrição e tendo em vista a situação de pandemia. Uma vez feita a entrevista, cada aluno analisou e escreveu um texto de análise crítica a partir das experiências discutidas no curso e das reflexões desenvolvidas na disciplina.
Nesse sentido, será descrita, na íntegra, uma entrevista do estágio 1. A fim de respeitar a privacidade do professor de História da Educação Básica, foi aplicado nome fictício.
ENTREVISTA PARA A DISCIPLINA DE ESTÁGIO 1
PROFESSORA: CLARICE.
ESPAÇO INICIAL PARA DESCREVER ESCOLA EM QUE ATUA:
NOME: ESCOLA ESTADUAL MUNDO DO CONHECIMENTO.
LOCALIZAÇÃO: UBERABA.
ANOS DAS TURMAS EM QUE TRABALHA: 7º, 8º e 9º.
INSTITUIÇÃO EM QUE SE FORMOU: UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA-(UFU) -UBERLÂNDIA.
BLOCO 1: ATUAÇÃO, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS
1. Há quanto tempo você atua como docente no ensino básico? Dentro dessa sua experiência sempre esteve no ensino público? Quais foram os maiores desafios que você enfrentou durante esse período?
R: Atuo no ensino básico desde 2011. Trabalhei na rede pública municipal, estadual e federal e também na rede privada sempre por contrato. Na presente data encontro-me como designada da rede estadual no município de Uberaba. Os desafios da atuação profissional são inúmeros e destaco como os maiores a precária estrutura das instituições de ensino devido à falta de investimentos nas escolas e o consequente sucateamento das instituições; a desvalorização da carreira docente e os desestimulantes e baixos salários.
BLOCO 2: ENSINO REMOTO
2. Como você enxerga o ensino remoto brasileiro imposto durante a pandemia? (a partir das suas experiências e de seus pares).
R: Enxergo o ensino remoto como mais excludente que o ensino presencial. Baseada na experiência vivida percebo que a maioria dos alunos não têm acesso aos meios adequados de comunicação e internet que os possibilita um aproveitamento de qualidade. A maioria tem acesso a uma apostila impressa distribuída pela escola para preenchimento e devolução da mesma como contagem de carga horária e média mínima. Apenas um pequeno grupo de alunos participa efetivamente das aulas pelos google meet e consegue ter acesso ao aplicativo “Conexão Escola” disponibilizado pelo Estado, mas que carece de um aparelho de celular para ser utilizado.
3. Durante o ensino remoto, já teve relatos de alunos que sofreram perdas em razão da pandemia ou que alegaram dificuldades socioeconômicas, dificuldades para execução das atividades, ou dificuldades em geral? Caso sim, descreva algum depoimento que tenha te marcado.
R: Sim, muitos alunos perderam algum ente querido entre avós e tios, não soube de nenhum caso de perda dos pais. Relato de uma aluna do nono ano durante uma aula sobre a morte do avô e que durante o trâmite de acesso à pensão por morte a família passou por muitas dificuldades. Outro caso foi de um aluno do sexto ano que o pai perdeu o emprego e pediram ajuda à escola, fizemos uma campanha de doações de alimentos. A escola também distribui o kit merenda feito com a verba que foi destinada à alimentação dos alunos.
4. O governo estadual aumentou a burocracia para com os professores, durante o ensino remoto? Que tipo de documentação os professores são obrigados a entregar? Além disso, quais plataformas vocês precisam inserir tais documentações ou registros? Descreva sobre esses mecanismos burocráticos utilizados em um momento tão difícil.
R: Houve um aumento da burocracia e também utilizamos vários “canais” de comunicação com os alunos. Fazemos planilhas de registro de atividades, relatórios de contato com pais e alunos, relatórios de atividades diárias para contagem do ponto, preparação de aulas e atividades extras, reuniões com supervisão e direção toda semana. Ano passado fizemos parte do projeto piloto da Gestão Integrada da Educação (GIDE) em parceria com a Fundação de Desenvolvimento Gerencial - FDG que continua esse ano. A GIDE prevê um plano de ações com metas e prazos para serem executados atribuindo mais tarefas, além das já descritas, onde devemos prestar contas à FDG que representa o tipo de estado neoliberal e gerencialista do atual governo e em nada melhorou o desempenho dos alunos.
BLOCO 3: LIVRO DIDÁTICO
5. Em tempos de ensino presencial, você costumava usar com frequência o livro didático? O que você acha desse material? Descreva como você o utilizava: (exemplo: para ler os textos do livro didático, para fazer exercícios, etc.).
R: Eu não tenho o costume de utilizar sempre o livro didático, trabalho muito com material produzido por mim. Quando utilizo seleciono textos, documentos e exercícios que tenham relevância para o conteúdo abordado ou a título de problematização de alguma abordagem que ela seja retratada de forma ultrapassada.
6. Você acha que os Planos de Estudo Tutorados (PET’s) –, ferramentas de ensino remoto, destinadas aos alunos das escolas públicas estaduais como alternativa para dar sequência ao processo de ensino/aprendizagem no período em que as aulas presenciais tiveram suspensas por conta da pandemia de COVID-19 –, vieram como substituição aos livros didáticos? Como você aplica esse material? Descreva quais as diferenças (caso houver) dessas “apostilas” para os livros didáticos comuns.
R: Os Planos e Estudos Tutorados são voltados para a parte de exercícios e menos conteúdos, são extremamente resumidos e não aprofundam nas temáticas. Os PET’s são totalmente diferentes dos livros didáticos, a abordagem do PET é minimalista e voltada para atividades de pesquisa por parte do aluno. Eles são de execução obrigatória por parte dos alunos e cobrados por parte da Secretária de Educação, validam a carga horária e 60% da nota dos alunos.
BLOCO 4: CURRÍCULO
7. Você costuma seguir a Base Nacional Comum Curricular ( BNCC), durante a aplicação das suas aulas? As tais competências e habilidades é algo que você leva em consideração para efetivar os planos de aula?
R: Procuro cumprir a BNCC e levo em consideração a importância de desenvolver as habilidades e competências de cada conteúdo na preparação e efetivação dos planos de aula.
8. O que você acha do currículo adotado pelo Estado brasileiro? Há falhas ou pontos positivos?
R: Acho que as últimas leis que possibilitaram as “reformas” no currículo incluindo a história da África e afro- brasileiros e indígenas trouxeram novas perspectivas, bem como os temas transversais e norteadores, em que é possível trabalhar com sujeitos históricos que por várias gerações tiveram suas histórias ocultadas no processo de educação institucional... Avançamos a passos lentos, mas houve avanços nesse sentido.
9. Qual você acha que seja a função da imposição de um currículo único para escolas públicas e privadas de todos os estados do Brasil? Na sua opinião, isso funciona na prática?
R: Acho que a parte diversificada do currículo, se aplicada, dá certa autonomia para o professor trazer conteúdos afins com a realidade da comunidade escolar para atender às peculiaridades culturais e regionais. Mas para os povos quilombolas e indígenas há, pelo menos na lei, uma brecha para que tenham autonomia com uma abordagem voltada para suas peculiaridades, ou não, visto também que o processo de ingresso na educação superior, por exemplo, está sintonizado com o conteúdo definido para todo território nacional.
BLOCO 5: Projeto Político Pedagógico (PPP)
10. A escola em que você atua ou as escolas em que já atuou, te posicionou como agente efetivo na criação do Projeto Político Pedagógico (PPP)? Caso não, você chegou a ler a PPP dessas escolas?
R: Eu trabalhei como professora contratada por tempo determinado tanto na rede pública quanto na rede particular. Não participei da execução do Projeto Político Pedagógico de nenhuma das instituições. Participar do PPP requer vínculo com a escola em que se trabalha e as atuais condições de trabalho dos professores designados não proporcionam essa efetivação. Temos acesso ao PPP já estabelecido pela comunidade escolar e a ele temos que nos adequar sem exercer a autonomia de produzir junto a comunidade escolar desse documento que define a identidade da escola e é norteador das das ações para diagnósticos de problemas e ações de caminhos para possíveis soluções. Mas o PPP permeia as ações das quais “aderimos” ao ingressar no trabalho em determinada escola e essas são sempre debatidas e discutidas em reuniões pedagógicas e de área do conhecimento.
11. Como você enxerga as funções, pontos positivos e negativos, do Projeto Político Pedagógico (PPP) nas escolas brasileiras?
R: Foi e é uma ferramenta importante e imprescindível na construção da democracia. É no PPP que a comunidade escolar constrói sua identidade, sua singularidade, daí a necessidade de ser sempre discutido e reformulado por muitas mãos, com representantes de toda a comunidade escolar. A rotatividade de alunos tão heterogêneos dentro do espaço escolar requer esse movimento de repensar nossas práticas e ações pedagógicas.
BLOCO 6: MENSAGEM FINAL
12. Por que você escolheu a docência? O que te motiva a continuar? Com base nisso, que mensagem final você deixaria para futuros professores, que em meio ao difícil cenário brasileiro pensam até mesmo em não prosseguir com os estudos.
R: Foi a docência que me escolheu, dentre os cursos, o que optei por fazer era o mais inclinado aos ímpetos de justiça social e percepção da realidade avessa na qual vivemos. Trabalho com a educação pública, porque eu vim da educação pública e desejo que ela avance. Para que isso aconteça precisamos nos engajar em um projeto de educação libertadora e mesmo com todos os entraves resistir. Como disse Darcy Ribeiro “A crise da educação no Brasil não é crise; é um projeto” se quem seguiu o caminho das pedras na educação pública não se engajar para mudá-la ninguém mais vai fazê-lo.
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